Artigo publicado originalmente no site www.paraibaonline.com.br
A intervenção Ágape: uma prática anticonsumista nasceu num sábado sem nenhum conflito ou dissabor. Contrariando a calmaria da ocasião, durante uma conversa com Natasha Ikhmieniev, a ideia se revelou completa, pronta, acabada. Datas, ações, detalhes, exposição, declamação de poema - tudo surgiu repentinamente. Depois bastou colocar no papel e passar a convidar as pessoas a participarem. Não poderia dizer que foi algo pensado, ou elaborado, a não ser pelo fato de conter um conjunto de valores que defendo há tempos.
O conto publicado neste portal chamado “Um calçado, duas calças e quatro camisas” já possui algumas indicações acerca do meu pensamento anticonsumista. Nele, afirmo: “é preciso lembrar que o paradigma nativo será o predominante neste século de aquecimento global e consumo desenfreado, se quisermos, de fato, salvar o mundo e a humanidade como conhecemos”.
O paradigma nativo é pensado com relação ao respeito que os nativos possuem com a terra e toda vida que esta alimenta. Eles também respeitam e conhecem os astros e as forças que exercem sobre nossa vida. Preservar, agradecer, oferecer e se submeter à grandiosidade da mãe terra, ou do deus sol, não pode ser encarado como algo primitivo. Afinal, hoje temos consciência desses fenômenos por outra perspectiva: tememos o sol, pois estamos cientes de que ele causa câncer de pele enquanto aquece e esquenta nossos corpos. Recorremos aos protetores solares, mas sabemos que permanecendo neste ritmo de aquecimento e incidência de radiação solar, lagos e rios secarão, e não será o uso de filtro solar que nos preservará de sua fúria.
Tudo é resultado da forma como estamos destruindo a terra, desmatando, poluindo e transformando aleatoriamente a harmonia complexa da natureza. É certo que atualmente uma parcela significativa da humanidade passou a temer os efeitos que essa ação pode nos acarretar e pensa em soluções e práticas para evitar tragédias futuras.
Saliento que é preciso uma mudança muito brusca na maneira como se organiza a sociedade de consumo, conhecida como pós-moderna, globalizada e tecnológica, por alguns. Todavia, dificilmente haverá uma ruptura nos valores consumistas em nível global. É mais provável que países orientais (como China e Índia) passem a querer consumir de acordo com os padrões ocidentais, lançando para participar deste banquete enorme da terra, uma quantidade de mais dois bilhões de pessoas. Infelizmente, países com forte influência hindu e budista estão sendo seduzidos pelo luxo e ostentação do modo de vida (consumo) americano.
Acredito que a Arte precisa causar nas pessoas sensações que as levem a refletir sobre os problemas que enfrentamos. A Arte contemporânea não pode fugir a isso. A intervenção tem como objetivo levantar discussões sobre o tema, associadas à prática de desapego e solidariedade. O desapego é de fato, o tema principal da intervenção. O desapego de minha parte - doando todas as peças do meu vestuário, incluindo camisas, calças, casacos e calçados. O desapego também por parte das pessoas que contribuem doando peças do seu guarda-roupa para a intervenção. E o desapego em relação às aparências e conveniências, pois decidi passar um mês com cada um dos quatro figurinos montados com as doações, que serão utilizados em todas as minhas atividades cotidianas e profissionais. A intervenção vai percorrer os meses de maio a agosto do corrente ano.
As minhas roupas, junto às doações que não entrarem nos quatro figurinos, serão dadas ao GAPO (Grupo de Apoio ao Paciente Oncológico), localizado na Casa de Saúde Dr. Francisco Brasileiro, em Campina Grande. A Ong auxilia portadores de câncer desfavorecidos financeiramente. Desta forma, o desapego associa-se a solidariedade. Tendo em vista o título da intervenção, “Ágape: uma Prática Anticonsumista”, fica evidente como somente a Ágape, ou seja, o amor desinteressado, de doação, sem espera de recompensa, pode reverter nosso apego e ganância em querer juntar cada dia mais, e consequentemente, reduzir o consumo e os danos ao planeta.
Durante o período da intervenção, farei uma vez ao mês declamações de poemas na Praça da Bandeira, de escritores locais e nacionais, com o uso de um megafone, sendo todos de teor anticonsumista. Alguns amigos já começam a enviar seus escritos para mim. É o caso de Flávio Candido Freire, Bruno Gaudêncio, Celso de Alencar, Suana Medeiros, Jan Macedo, entre outros.
Outra ação se dará em parceria com o artista Jas-One, que colará imagens divulgando a intervenção pelo Centro da cidade, em tamanho natural. Nelas, apareço sem vestes, somente com um livro protegendo minha nudez. Também serão feitas imagens pequenas, em tela de serigrafia, para serem pintadas nas paredes do Centro.
Decidi esticar o prazo de arrecadações, na esperança de conseguir uma quantidade considerável de peças variadas. Para quem tiver interesse em participar, as doações podem ser feitas no Centro de Arte e Cultura da UEPB, ao lado do Terminal de Integração, no Açude Novo, até o dia 29 de abril (próxima sexta-feira). Basta procurar por Saulo Queiroz, ou deixar com algum funcionário do Museu, avisando que entregue ao próprio Saulo. Também podem ser entregues a mim pessoalmente, ligando para o número (83) 8818-9044.
No decorrer da intervenção, haverá uma data a ser definida onde entrarei em uma festa da elite campinense, trajado com o figurino, para recitar um poema anticonsumista a todos os presentes. Evidentemente, o discurso de desapego deve ser repetido de forma enfática a quem mais consome. Acreditar que é possível fazer com que todos deixem de guiar suas vidas pela aquisição de bens materiais, em especial a elite, é algo árduo e distante, porém, não julgo incapaz de ocorrer. Se não mudarmos agora por vontade própria, certamente teremos que mudar por necessidade, quando o planeta não mais aguentar nosso descaso e passar a eliminar populações inteiras.
Isso porque vivemos em uma sociedade onde muitos sabem criticar ou apontar soluções. Sabem exatamente o que deve ser feito. Mas infelizmente, bem poucos fazem algo. É preciso que passemos a agir bem mais do que falamos. Chegamos onde estamos porque pensamos, mas não vivemos. A vida existe para ser vivida não para ser pensada. Lembro-me disso sempre que vejo os olhos verdes de Pingu (meu gato adotivo) a observar tudo ao seu redor. Sei que os gatos, assim como os outros animais, sabem o que é a vida e como vivê-la. Nós, seres racionais, estamos mais distantes, a cada dia, dos desígnios do divino criador. Seja ele Deus, Alá, Krishna, Gucamatz, Manco Capac, Odin, Zeus, ou simplesmente o ser que habita em nós. Somente quando entendermos a vida em sua complexidade espiritual, equilibraremos as coisas no âmbito material.
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